Fortuna Critica
Mansidão que envolve
Isabel Travancas*
Fórum de Literatura Brasileira Contemporânea 5 (UFRJ)
O Rio Grande do Sul já deixou sua marca na história literária brasileira. Basta lembrar de Érico VerÃssimo e Mário Quintana, que fizeram sucesso, romperam barreiras sendo regionais e, ao mesmo tempo, nacionais. Ser escritor fora do eixo Rio – São Paulo possibilita produzir-se em outro ritmo e intensidade, deixar-se ocultar, buscando encontrar sua voz. Por outro lado, essa voz pode correr o risco de nunca ser escutada fora de sua provÃncia. Nos últimos anos, cada vez mais autores de diversas áreas do paÃs começam a ser publicados por editoras paulistas e cariocas. É o caso dos escritores gaúchos Daniel Galera, Ricardo Silvestrin e, agora, Leonardo Brasiliense, que, com uma produção anterior de seis livros, teve Três Dúvidas editado pela Companhia das Letras.
Trata-se de um livro de novelas e, em todos os textos, a fronteira entre conto, novela e romance é tênue. São histórias curtas mas nem tanto, menos contidas que os contos e sem o seu impacto. A conexão com o leitor é rápida. Com uma linguagem coloquial, sem pretensão, como quem não quer nada, Leonardo Brasiliense vai nos apresentando suas histórias e personagens – que são de carne e osso, verossÃmeis e, ao mesmo tempo, estão fora do mundo real.
A proposta do escritor de horas vagas – uma vez que é formado em Medicina e trabalha na Receita Federal – é conquistar sem estardalhaço, aos poucos, de mansinho. Sua primeira novela, “Um dia em comum”, fala de um José Francisco parado no tempo, mais precisamente no quintal “onde se sente criança”. É um corretor aposentado que não tem olhos para sua mulher, Carmem. Está fascinado pelo poço seco do quintal. E pensa que “precisa dar um futuro a sua vida, qualquer um, e sem demora”. No transcorrer de um dia, Carmem e José Francisco vão vivendo seus dilemas. Ela reencontra um ex-namorado da juventude. Reencontro que a perturba. O marido vai sendo tomado pela ideia de assassinar o irmão. Mas o destino se encarrega de tomar as providências. Ao final do dia, o casal se reúne e o poço vai sendo tampado aos poucos, fechando a cortina da cena dramática, familiar ao leitor pela humanidade dos personagens.
“A grande ventura de Paulo Sérgio contada por ele mesmo três dias antes de morrer” é o tÃtulo da segunda novela, cujo estopim é a morte iminente de Ramón, colega de trabalho de Paulo Sérgio. Seu chefe decide então mandar buscar a irmã mais nova do funcionário boliviano falecido. Num desenrolar de fatos e personagens em meio ao nonsense, surgem o pai, o homossexual, a minhoca. Definido como louco, Paulo Sérgio é internado e passa a aguardar que a mãe venha buscá-lo. Está seguro de que sua vida o espera. “Daqui para frente minha vida será melhor. Eu sei disso, eu, Paulo Sérgio, e isso ninguém pode saber por mim”.
Uma reportagem é o pano de fundo da terceira narrativa do livro, “O visitante”. O protagonista é Marcos Bertolini, um jornalista ansioso por encontrar a matéria de sua vida. Aquela que irá mudar seu destino e deixar para trás seu colega e rival Dalnei Ferreira. Conhecedor da rotina das redações e da relação dos jornalistas com a notÃcia, o escritor vai apresentando o protagonista, que, cheio de si, “entra na redação como se ela o esperasse”, em encarnação daquele tipo de repórter que se acha mais importante do que os fatos que cobre.
Jornalismo e invenção, casamento e desejo, acaso e culpa são alguns dos pares presentes nessa novela, que se faz de cenas e situações reais ou imaginadas, como a entrevista com a loira na chácara que irá, acredita o repórter, entregar-lhe de bandeja informações preciosas. O que se passou lá, nunca saberemos. Mas o acidente fatal ocorrido na estrada na volta deixa marcas. Assim como a gravidez indesejada de Luana, sua mulher.
Três Dúvidas é um livro enxuto, para usar um termo jornalÃstico. Não exige grande fôlego para a leitura. Exige simplesmente disponibilidade para sua apreciação. Embora a pretensão não faça parte da gramática do autor, nem por isso ele deixa de demonstrar cuidado no manejo com a lÃngua. Um livro para quem quer ficar em dia com a literatura brasileira contemporânea e seus novos nomes.
* Doutora em Literatura Comparada pela UERJ e professora da Escola de Comunicação da UFRJ.
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