Fortuna Critica

A brutalidade e o cotidiano de Brasiliense



Carlos André Moreira
Zero Hora (Porto Alegre, 25/03/2008)

Recomenda-se não ler um livro focando-se nas orelhas. Mas determinadas obras podem permitir uma aproximação por suas epígrafes. É o caso da coletânea de contos Olhos de Morcego, que o escritor Leonardo Brasiliense autografa hoje às 19h na Livraria Cultura do Bourbon Country (Túlio de Rose, 80). Uma frase de Aristóteles dá título ao livro e também fornece uma chave de leitura para os 10 contos do livro, quarta coletânea de narrativas breves do autor.

A frase é "Assim como os olhos do morcego reagem diante da luz do dia, assim também a inteligência que está em nossa alma se comporta diante das coisas que, por sua natureza, são as mais evidentes". Se os olhos de morcego reagem à luz, como na frase de Aristóteles, os personagens do livro reagem - quase sempre de formas inesperadas para o leitor e para elas próprias - a uma violência subjacente nas relações. O mundo ficcional criado por Brasiliense é, na prática, uma sucessão de conseqüências desastrosas de uma administração equivocada de circunstâncias. É esse imbricar da brutalidade com o cotidiano que produz alguns dos episódios de maior estranhamento na obra. E em literatura, estranhamento é virtude.

Às vezes os resultados dessa interconexão são ótimos, como na desesperadora história de A Neta Estuprada, na qual uma septuagenária parte às cegas para uma vingança contra o homem que violentou sua neta, cega. Ou na história plena de uma tensão não-concretizada Dona Mimosa, a Parteira, na qual a personagem-título é chamada no meio da madrugada para efetuar um parto em um rancho a quilômetros de sua casa e sofre um acidente com o cavalo no meio do caminho. E é de uma ironia refinada que a protagonista seja uma parteira - ofício associado com o despertar da vida - em uma narrativa triste na qual tudo vai sendo perdido gradativamente, numa lenta atmosfera de morte.

A dezena de histórias em Olhos de Morcego (7Letras, 112 páginas, R$ 27) lança um olhar melancólico sobre personagens das chamadas classes populares: peões de estância, policiais, proprietárias de botecos, os menos bem posicionados na escala social, e às vezes um certo toque farsesco se insinua por entre as peças realistas que compõem o volume - e este casamento já é menos bem-sucedido. O ritmo e algumas imagens particularmente felizes do conto Fim dos Tempos perdem-se em meio ao desfecho, que extrapola o trágico até pisar no terreno do nonsense, diluindo o efeito construído até então com o ritmo veloz e entrecortado.

 

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